O bobalhão acreditava que eu ficaria ali, olhando, estático, paradinho e quieto como se fosse uma árvore.
– Não pode passar daqui! – avisou e foi embora, pisando forte, fazendo soar as botas brilhantes, engraxadas com fúria e esmero.
Sempre fui assim, não gosto que me digam que não posso fazer alguma coisa. Não gosto. Fico possesso quando me colocam limites, quando me dizem o que posso ou não fazer. Claro, muitas vezes, tinha que me segurar e respeitar ou me arrebentavam a alma a chutes.
Algo assim como uma raiva surda (ou muda?) começou a subir de algum lugar do fígado, uma coisa insana, anormal, como uma onda que avançava pelas minhas veias, provocando uma revolução no meu sangue, uma ebulição em todo meu corpo.
– Não pode passar daqui! – avisou e me deixou ali, parado, esperando que eu não me mexesse, que ficasse como se fosse uma pedra.
Já falei, fico furioso quando me dizem o que tenho que fazer. Por isso, fiquei olhando para a faixa vermelha, cuidadosamente pintada no piso impecável. Olhava e não pensava, porque se começasse a pensar não sei o que poderia acontecer. Olhava e olhava outra vez. Sentia-me pedra, árvore, coisa... E não sou qualquer coisa. Não sou um ser inanimado, não sou o que eles, ele principalmente, pensam que sou.
Aquela energia ou fogo ou onda subia desde algum ponto desconhecido do meu corpo, não, não era do fígado. Subia e fermentava meu sangue, sacudia-me, empurrava-me.
– Que vão à merda! – pensei e olhei ao meu redor. Outros, como eu, estavam ali e me olhavam porque adivinhavam o que eu estava pensando. Dependiam da minha atitude, queriam saber se eu teria coragem ou não. Se eu iria fazer aquilo ou não.
Então, com um gesto debochado, caminhei lentamente até a faixa vermelha. Eles todos, aqueles que me olhavam, caminharam também e pararam quando eu parei a escassos centímetros do limite crucial. Passeei meu olhar pelo rosto de todos, sorri e pisei firme do outro lado da faixa. Antes de escutar os disparos, vi os projéteis. Mas já era tarde: todos estávamos do outro lado da faixa, desobedientes, felizes como uns idiotas, sem saber se a vida ia nos premiar ou nos condenar por tanta rebeldia.
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