sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O doce som do segundo violino.

 

 " Durante milhares de anos, a relação tinha sido perfeita. Até onde qualquer um pudesse lembrar, a lua tinha refletido com fidelidade os raios do sol na noite escura. Era o dueto mais grandioso do universo. Outras estrelas e planetas se maravilhavam diante da confiabilidade da equipe. Seu reflexo cativou uma geração após outra de terráqueos. A lua se converteu num símbolo de romance, esperanças sublimes e até rimas infantis.
"Não deixes de brilhar, lua da colheita", cantava o povo. E assim se fazia. Quer dizer, fazia até certo ponto. Veja, a lua na realidade não brilhava. Refletia. Pegava a luz que lhe dava o sol e a apontava para a terra. Uma simples tarefa de receber iluminação e partilhá-la.
Pensar-se-ia que semelhante combinação duraria para sempre. Quase aconteceu isso.
Mas um dia, uma estrela próxima implantou um pensamento no interior da lua.
— Deve ser difícil ser lua — sugeriu a estrela.
— O que você quer dizer? Eu adoro! Toca-me realizar uma tarefa importante. Quando escurece, as pessoas olham para mim esperando receber ajuda. E eu olho para o sol. Ele me dá o que eu necessito e eu dou às pessoas o que elas necessitam. Dependem de mim para iluminar seu mundo. E eu dependo do sol.
— Então, você e o sol devem ser bastante unidos.
— Unidos? Opa, se somos como Huntley e Brinkley, Hope e Crosby, Benny e Dav...
— Ou talvez Edgar Bergen e Charlie McCarthy?
— Quem?
— Sabe, o ventríloquo com o boneco.
— Pois, isso do boneco eu não sei...
— Isso, precisamente, é o que eu quero dizer. Você é o boneco. Não tem luz própria. Depende do sol. Você é o acompanhante. Não tem fama própria.
— Fama própria?
— Sim, faz muito tempo que você toca o segundo violino. Necessita dar um passo por conta própria.
— Do que está falando?
— Me refiro a que deixe de refletir e comece a gerar. Faça o seu. Seja seu próprio chefe. Faça com que saibam quem você é de verdade.
— Quem eu sou?
— Pois, você é, verá... ehmm... bom, isso é o que você deve averiguar. Necessita saber quem é você.
A lua se deteve a pensar por um momento. O que dizia a estrela fazia sentido. Embora nunca o tivesse considerado, de repente estava consciente de todas as desigualdades da relação.
Por que devia ser sempre ela a encarregada de cobrir o turno da noite? Que por que devia ser a primeira na qual pisaram os astronautas? E por que devia ser sempre acusada de causar ondas? E por que, para variar, os cães e os lobos não uivam ao sol? E por que deve ser tão negativo "estar na lua" enquanto que "tomar sol" é uma prática aceita?
— Você tem razão! — exclamou a lua —. Já é hora de que exista uma igualdade solar-lunar aqui em cima.
— Agora sim está falando certo — a incitava a estrela —. Vai descobrir a verdadeira lua!
Esse foi o começo da ruptura. Em vez de dirigir sua atenção ao sol, a lua começou a dirigir sua atenção a ela mesma.
Empreendeu o caminho da auto-superação. Depois de tudo, sua cútis era um desastre, tão cheia de crateras e coisas assim. Seu guarda-roupas tristemente se limitava a três tamanhos: cheia, média e quarto. E sua cor era de um amarelo anêmico.
De modo que, armada de determinação, dispôs-se a apontar a metas elevadas.
Ordenou a aplicação de fomentos de geleiras para sua cútis. Modificou sua aparência para incluir novas formas como triângulos e quadrados. E para mudar a cor optou por um alaranjado escandaloso. "Já ninguém vai me chamar de cara de queijo".
A nova lua tinha diminuído de peso e melhorado seu estado físico. Sua superfície estava tão suave como o bumbum de um bebê. Tudo foi bem por um tempo.
Inicialmente, seu novo aspecto fez que desfrutasse de seu próprio brilho de lua. Os meteoros colegas a convidavam a suas órbitas para assistir juntos às telenovelas.
Tinha amigos. Gozava de fama. Não teve necessidade do sol... até que mudou a moda. De repente o estilo inculto passou e entrou a moda colegial. Detiveram-se os elogios e começaram as risadinhas, porque a lua era lenta em perceber que estava fora de moda. Quando por fim caiu a ficha e mudou sua cor laranja por traços delgados, a moda passou a ser estilo campestre.
Foi a dor provocada pelas pedras brilhantes incrustadas em sua superfície o que finalmente a levou a perguntar-se: "Para que serve isto, afinal?". Um dia, uma figura na capa de uma revista, para ser esquecida no dia seguinte. Viver dos elogios dos outros consiste numa dieta errática.
Pela primeira vez desde o início de sua campanha de busca do eu, a lua pensou no sol. Lembrou os bons milênios, quando os elogios não a preocupavam. O que pensavam dela carecia de importância já que não estava interessada em conseguir que fosse vista. Qualquer elogio que lhe fizessem, rapidamente era passado para o chefe. Começava a compreender o plano do sol. "É possível que me estivesse fazendo um favor".
 Olhou para baixo na direção da terra. Os terráqueos tinham estado recebendo um bom show. Nunca sabiam o que esperar: primeiro rústico, depois colegial e agora campesino. Os levantadores de apostas de Las Vegas tentavam adivinhar se a próxima moda seria chique ou varonil. Em vez de ser a luz de seu mundo, tinha-se convertido no alvo de suas zombarias.
Até a vaca se negava a pular por cima dela.
Mas o frio era o que mais a incomodava. A ausência do sol a deixava com um persistente esfriamento. Nada de calor. Nada de resplendor. Seu agasalho não a ajudava. Não podia ajudar; o tremor vinha de dentro, um tremor gelado desde a profundidade de seu núcleo que a deixava com uma sensação de frio e solidão.
O qual representava exatamente sua condição.
Uma noite, enquanto olhava para as pessoas que caminhavam na escuridão, foi golpeada pela futilidade de tudo aquilo. Pensou no sol. "Me dava tudo o que eu precisava. Cumpria um propósito. Sentia calor. Estava contente. Cumpria… cumpria o propósito para o qual fui criada".
De repente, sentiu aquele velho e conhecido calor. Virou-se, e ali estava o sol. Ele nunca tinha se mexido.
— Me alegra que esteja de volta — disse o sol —. Vamos trabalhar.
— Pois não! — aceitou a lua.
Tirou o agasalho. Voltou a ser redonda e se viu uma luz no céu escuro. Uma luz mais cheia. Uma luz ainda mais brilhante.
E até o dia de hoje, quando o sol brilha e a lua reflete e ilumina a escuridão, ela não se queixa nem fica ciumenta. Só faz o que sempre devia fazer.
A lua ilumina. "



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